sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Teologia da Esperança em Jürgen Moltmann

Moltmann afirma que por muito tempo a escatologia era a doutrina das últimas coisas ou a doutrina do éschaton. A compreensão da expressão últimas coisas englobava eventos, sobre o mundo, a história e a humanidade, que irromperiam no fim dos tempos. Entre esses acontecimentos estavam à volta de Cristo em Glória, o juízo universal e a consumação do reino, a ressurreição universal dos mortos e a nova criação de todas as coisas. Mas como esses acontecimentos foram adiados até o último dia, eles, no decorrer da história, perderam sua significação orientadora, animadora e crítica para os tempos vividos antes do fim. Enquanto a fé cristã separava de sua vida diária a esperança do futuro, esperança essa que a sustentara no princípio, e transferia o futuro para o além ou para a eternidade - apesar de os textos bíblicos que ela transmitia regurgitar a esperança messiânica futura para a terra - , a esperança aos poucos abandonou a igreja e reiteradamente se voltou contra ela nas formas mais deturpadas possíveis. Escatologia é idêntica à doutrina da esperança cristã, que abrange tanto aquilo que se espera como o ato de esperar, suscitado por esse objeto. Para Moltmann o cristianismo é total e visceralmente escatologia, e não só como apêndice, ele é perspectiva, e tendência para frente, e, por isso mesmo, renovação, e transformação do presente. O escatológico não é algo que se adiciona ao cristianismo, mas é simplesmente o meio em que se move a fé cristã, aquilo que dá o tom a tudo que há nele, as cores da aurora de um novo dia esperado que tinge tudo o que existe. O cristianismo é em sua essência movido por essa tensão entre realidade presente e mundo futuro. O cristão vive orientado nesta dupla perspectiva. Ao mesmo tempo em que atua neste mundo em meio a todas as suas discrepâncias, está sempre perscrutando um novo destino apontado por Cristo. A teologia correta deve ser pensada a partir de sua meta futura e da relação entre evangelho e promessa. Uma doutrina sobre as últimas coisas não pode existir, se com doutrina se entende uma coleção de afirmações doutrinárias que se conhecem a partir de experiências que podem ser repetidas e feitas por todos. A escatologia cristã não fala do futuro de modo geral. Esta realidade só pode ser entendida no plano de Deus. Ela toma seu ponto de partida em uma determinada realidade histórica e prediz o futuro da mesma, suas possibilidades futuras e sua eficácia futura. A escatologia cristã fala de Jesus e de seu futuro. Conhece a realidade da ressurreição de Jesus e anuncia o futuro do ressuscitado. A ressurreição de Cristo é a chave hermenêutica para toda a compreensão da escatologia cristã. Neste evento é apontado para o homem não apenas o seu sentido, mas o sentido de toda história humana. Por isso, para ela, a fundamentação de todas as afirmações sobre o futuro na pessoa e na história de Jesus Cristo é a pedra de toque para todos os espíritos escatológicos. A maneira como a teologia cristã fala sobre Cristo não pode ser a do Logos grego ou a das afirmações doutrinárias a partir das experiências, mas a das sentenças e afirmações da esperança e das promessas do futuro. As afirmações esperançosas da promessa se antecipam ao futuro. Em Cristo esse futuro do homem é antecipado por meio do evento da ressurreição. Cruz e ressurreição formam o binômio no qual a história humana alicerça sua esperança. Na promessa, que se deu a partir de Abraão, está anunciado o futuro oculto, o qual, por meio da esperança que desperta, age no presente. As afirmações doutrinárias encontram sua verdade na correspondência, verificável, com a realidade presente e experimentável. As afirmações da esperança estão necessariamente em contradição com a realidade presente e experimentável. Elas não resultam de experiências, mas constituem uma condição para que sejam possíveis novas experiências. Não pretendem iluminar a realidade que aí está, mas a realidade que virá. Presente e futuro, experiências e esperança se contradizem na escatologia cristã, de modo que, por meio dela, o ser humano não chega à correspondência e à harmonia como o presente, mas é impelido para o conflito entre esperança e experiência. A esperança cristã é uma esperança de ressurreição e demonstra sua verdade pela contradição entre o presente e o futuro por ela visualizado, futuro de justiça contra o pecado, de vida contra a morte, de glória contra o sofrimento, de paz contra a divisão. Desse modo, toda a compreensão da escatologia cristã está fundamentada no evento Cristo. Nele são encerradas todas as questões referentes ao destino último do homem e ao mundo.

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