segunda-feira, 5 de abril de 2010

A ascese no mundo contemporâneo

Introdução

Dentro do processo de crescimento da vida espiritual, o cristão é chamando a percorrer caminhos que lhe orientem nessa experiência. A ascese e a mística, nesse sentido, são como que as duas vias necessárias para esse processo. O caminho de vida espiritual no cristão se dá de modo especial pela relação justa entre a ascese e a mística. O crescimento e a maturidade espiritual se dão por uma via ascendente, e essa chamamos a ascética, isto é, faz-se necessário que o homem crie em sua vida espiritual mecanismos que o ajudem no caminho de santidade. A ascese tem esse objetivo. Ela vem para favorecer no cristão esse esforço e esse desejo de crescimento espiritual por meio de práticas cotidianas que visem tal crescimento. A mística se dá num lado oposto ao da ascese. A mística parte da ação que Deus que chama o homem e a mulher para adentrarem dentro do seu mistério. Portanto, ascese e mística são elementos indissociáveis dentro dessa dimensão da espiritualidade cristã. O cristão não pode almejar uma vida espiritual partindo da hipótese de que por meio de seus próprios esforços conseguirá tal feito, contudo, o mesmo não pode deixar tudo entregue às mãos de Deus. Nessa relação, mais do que nunca se faz mister relembrar a máxima de Santo Tomás na qual é afirmada que no homem a graça supõe a natureza. Acreditamos que a espiritualidade cristã é o resultado desta afirmação.

1 Compreendendo o que significa Ascese

Por ascese se entende o conjunto de esforços mediante os quais se quer progredir na vida moral e religiosa. Na sua acepção original o termo significa qualquer exercício físico, intelectual e moral realizado com certo método visando a um progresso; assim, “o soldado se exercitava no uso das armas e o filósofo na meditação”. De tal modo, se pode dar ênfase a dois elementos constituintes da ascese: esforço e método. A palavra já havia adquirido em Platão o sentido de treinamento ou prática moral e filosófica. Mais tarde, é o que afirma Lacoste, encontra-se correntemente o verbo e o substantivo nos autores cristãos no sentido de treinamento da alma para a prática das virtudes e para a vitória sobre a tentação; quem leva uma vida de renúncia, e isso se encaixa no eremita e no monge, é um asceta (asketés). A palavra asketérion é um lugar de askésis, um mosteiro.
Nesse sentido, com a palavra já concebida num aspecto cristão, pode-se afirmar que a ascese consiste na prática da renúncia do prazer ou mesmo a não satisfação de algumas necessidades primárias, com o fim de atingir determinados fins espirituais. O conceito abrange, por isso, um grande número de práticas, em culturas e em etnias muito diferentes, que vão de extrema severidade, a mutilação genital ou a participação em provas que exigem coragem. E isso inclui os hábitos monásticos de diversas religiões, incluindo o celibato, o jejum e a mortificação do corpo por diversos meios.
Desse modo a ascese parte desse desejo humano de atingir um estado de vida santo por meio de práticas de mortificação corporal que o levem a tal estágio de perfeição.

1.2 Ascese e sua evolução histórica

No seu desenvolvimento histórico, o termo ascese foi sofrendo diversas variações e perdendo, no seu contato com o cristianismo, o seu sentido original. “Com efeito, e termo, derivado do grego, adquiriu sentido, por assim dizer, técnico; entende-se geralmente por ascese o conjunto de esforços mediante os quais se quer progredir na vida moral religiosa”. Portanto, originalmente a expressão comportava um caráter de disciplina do corpo como método para a perfeição física, moral e intelectual. O cristianismo dará ao conceito e à prática da ascese um novo significado. Ainda nos Padres da Igreja a idéia de ascese enquanto exercício para o crescimento interior permanecerá. O cristianismo lhe dará uma nova configuração. E a partir daí a ascese deixa de algo estritamente intelectual e moral e ganha um tom de religiosidade cristã.

1.3 Ascese na Sagrada Escritura

Apesar de na Bíblia não se encontrar diretamente a idéia de um método que conduza ao progresso com base em exercícios apropriados, percebe-se a existência da idéia de que por meio da penitência o homem pode chegar ao estado de graça. No Antigo Testamento não se fala de ascese como falavam os gregos em suas práticas físicas para alcançar perfeição física, moral e espiritual. Apesar de se encontrar no Antigo Testamento inúmeros ritos penitenciais realizados pelos judeus como modo de aplacar a ira de Deus, esses ritos de perdão não possuem um sentido de ascese espiritual. São na verdade maneiras de reparar erros cometidos. No Novo Testamento João Batista representa justamente uma corrente espiritual fundamentada na austeridade de vida. Seu modo de viver, seu tipo de comida e suas vestes apontam para um ascetismo. Com São Paulo essa luta transfere-se para o campo espiritual. A vida cristã é luta e combate. O esforço cristão se converte, pois, em abnegação, renúncia e aceitação do sofrimento. Veja o que diz Paulo em 1Cr 9, 24-25.27; 2Tm 2, 3.

1.4 A novidade da ascese cristã

No cristianismo primitivo a ascética adquiriu um significado novo. A ascética cristã supunha igualmente a prática constante de exercício, mas não estritamente físico e intelectual, mas, sobretudo, moral, seja para a aquisição de virtudes, seja para a superação de vícios, cujo resultado era purificação ou purgação dos vícios do corpo e da alma. Outra novidade cristã, com relação à prática ascética pagã e de outras religiões (ascese judaica, islâmica e hindu) é a de valer-se da ascese como efetivo exercício moral que não assenta o seu princípio só na busca de perfeição moral e alcance de sua perfeição natural, mas principalmente na busca de purificação espiritual e alcance de sua perfeição sobrenatural. Por último se tem na ascese cristã aquele elemento que dá à mesmo um caráter especificador: a caridade. A caridade é o bem perfeito do espírito que excede a todos os demais bens. E é para essa meta que deve apontar a ascese cristã . Toda ascese cristã deverá necessariamente estar orientada para essa dimensão caritativa.

1.5 Ascese nos primeiros séculos do cristianismo

Na Igreja Antiga e na era patrística o grande ideal de vida do cristão estará ligado primeiro ao martírio como ideal de perfeição. Os Padres apostólicos comparam com certa freqüência a figura do cristão com a do atleta, como em Clemente romano em sua obra Ad. Cor 15, 31 e, inclusive, Inácio de Antioquia em sua célebre Ad. Pol. 1,3; 2,3; 3,1. Este ascetismo culmina com a proposta de disciplina monástica em que mortificação, penitência, jejum, abstinência e até martírio modelam a vida cristã. Nos primeiros séculos o cristianismo fora movido por esse modo de viver a fé centrada no derramamento do sangue dos mártires e no ideal de virgindade. Num segundo momento, a partir do século IV surge um novo modo de viver a fé cristã. Muitos cristão começam a fugir das cidades para imprimir um ritmo de vida marcado pela solidão e pelo abandono. Começam, desse modo, a surgirem os anacoretas e os cenobitas, homens que vivem totalmente entregues ao abandono do deserto. O monaquismo é fruto desse ideal e vida cristã. Nesse período surgem homens como Santo Antão, Pacômio, Basílio de Cesaréia, São Bento, Santo Agostinho entre outros. Todos estes estão marcado por esse radical estilo de vida. Vivem isolados, jejuam constantemente e estão em íntima oração. Esse modo de vida dos monges irá permear toda a idade média, tornando-se, assim, o ideal de vida para muitos cristãos.
A partir do século XI começam a surgir a ordens medicantes que também imporão um novo estilo de vida para os cristãos. As grandes ordens medicantes como a dos franciscanos e a dos dominicanos ganhou um grande impulso nesta época da Igreja. Eles servirão como norteadores para a vida espiritual da cristandade. Homens como Francisco de Assis e Santo Domingo de Gusmão servirão de marcos referenciais para toda a cristandade. Será destacado também o seus austeros modos de vida.

1.6 A ascese na contemporaneidade


A tradição cristã, com base na Escritura, sempre deu um enorme valor à ascese e procurou descobrir-lhe o seu sentido mais profundo. Os mestres da vida espiritual, sobretudo os místicos, encontraram na ascese uma continua ajuda para o seu progresso e ao mesmo tempo para o seu crescimento espiritual. Contudo mediante o advento da modernidade centrada no homem e na sua autodeterminação frente ao mundo lançou diversas objeções à ascese cristã. Na concepção dos modernos o estilo de vida ascética acaba por neutralizar ou inocular no homem aquilo que de fato o constitui enquanto ser capaz de autorealização. Além disso, diversas correntes de cunho psicológicas acabaram por ver na ascese distúrbios de ordem interior que causam no homem desvios sérios. “Sobre este ponto, a psicologia moderna manifestou graves reservas. Para ela, a mortificação corporal, longe de ser sinal de exigência espiritual, é ante sintoma de desequilíbrio psíquico mais ou menos profundo”. Para essas correntes, muitas das práticas ascéticas acabam sendo fruto de desejos reprimidos pelo indivíduo que vê na mortificação um caminho de compensação. Essa é a visão corrente de correntes e escolas de cunho psicológico que hoje vigoram na sociedade. Veja-se as objeções colocadas a ascese.
São duas grandes objeções colocadas à ascese, sobretudo à cristã. Em primeiro lugar, alguns a acusam de ser uma “mutilação” da natureza humana, no que esta tem de mais precioso. Ora, a teologia espiritual afirma que a ascese não é mutilação, mas poda. E esta poda, ou purificação, tem conseguido árvores frondosas, videiras fecundas como são os santos. Por outro lado, a filosofia e a moral ensinam-nos que é legítimo, é racional privarmo-nos de bens inferiores para nos enriquecermos de bens superiores. E para os cristãos, a graça, a santidade é um bem superior, um bem por excelência. Por causa desta santidade, deste ser em Deus, que beneficia não só o próprio mas também os outros, é legitimo fazer ascese, exigir de si mesmo a renúncia a bens inferiores.
A segunda grande objeção feita por alguns à ascese cristã poderia formular-se assim: “concedendo importância ao esforço ascético, que implica a renúncia e a mortificação, não se aproximam as pessoas de Cristo, da vida, da felicidade, mas antes as afastamos”. Esta afirmação não tem consistência se pesarmos que a ascese nos identifica com Cristo que assumi dar a vida na morte de cruz, que nos identifica e aproxima d’Aquele que viveu em contínuo estado de kenose, de aniquilamento, desde a encarnação à glória.
Por outro lado, o Evangelho é proposta de caminho árduo, estreito, exigente, é convite a não ser maior do que o Mestre é apelo à identificação com Jesus, grão de trigo que morre para dar vida. Se a ascese nos coloca nesta extraordinária morre para dar vida. Se a ascese nos coloca nesta extraordinária dimensão evangeliza, ela ajuda-nos a aproximarmos de Cristo, penitente, orante, pobre, servo, humilde, crucificado e morto na cruz. Este Cristo é o Caminho para a glória, a felicidade, a bem-aventurança. É que não há páscoa sem cruz e sem morte, não há glória sem passar pela dor e pela kenose, não há santidade sem morte a nós próprios. Daí que o asceta cristão procura participar no divino que é dado em Cristo e, quando mais asceta, mais próximo dele, mais identificado com Ele.

1.7 Repensando a ascese

Hoje mais do que nunca os cristãos são chamados a repensarem a sua prática ascética. Mediante uma cultura que rejeita e despreza todos os valores cristãos, mas do que nunca o testemunho cristão deve trilhar novas veredas em busca de sua perfeição e do seu ideal de vida. Não se trata de retrocesso ou enfrentamento com o mundo. O caminho proposto deve ser outro. E o primeiro passo importante nessa caminhada é justamente repensar a idéia de ascese. Como já fora dito, vive-se hoje na cultura de exaltação e divinização do corpo, da saúde, do bem-estar e do prazer. Mediante a mudança de cenário não cabe mais para a sociedade pós-moderna uma idéia de ascese na qual o homem é completamente flagelado por meio de práticas espirituais com destroem seu corpo. A ascese não se resume num esforço puramente físico e intelectual para se atingir a perfeição.
A mudança da praxe ascética não deve ser considerada como uma decadência das formas heróicas penitencias primitivas, mas como as conseqüências decorrentes do fato de que a comunidade cristã vai adquirindo consciência de formas antropológicas novas; de que vai mudando no discernimento de valores e de comportamentos humanos antes considerados preferenciais; de que está imaginado novas maneiras de educar para a vida adulta em Cristo. A experiência ascética é experiência pascal contínua, que se renova através de modalidades antes não praticadas.

O cristianismo é chamado a viver a sua prática ascética de uma nova forma. Faz-se mister superar essa idéia antiga de que ascese é pura e simplesmente mortificação do corpo por meio de práticas austeras e flagelantes. Talvez hoje essa mentalidade não seja mais aceita ou muito menos vivida por grande parte dos cristãos. É claro que não se faz objeção aqueles que optam por tal método. Contudo, não é o mais viável.
Vive-se hoje num mundo marcado pelas tecnologias e pela facilidade da vida prática. Mediante os grandes avanços na área das indústrias e das tecnologias surgem novos desafios para o homem. Como todo desenvolvimento traz consigo seus agravantes, crescem na consciência coletiva a necessidade de conservação do mundo, ameaçado pelas rápidas transformações do planeta. Portanto. A experiência cristã não pode estar alheia a esse turbilhão de acontecimentos do mundo contemporâneo. Seu testemunho de vida deverá perpassar esses cenários. É a partir deles que se deverá repensar a idéia de ascese. Tornar-se-á necessário romper o velho modelo de ascese enquanto mortificação e flagelação corporal para se praticar uma ascese mais voltada para uma inserção no mundo. E isso necessariamente implicará numa ascese também mais coletiva. Talvez essa seja a grande tendência para os anos futuros da humanidade. E os cristãos, mergulhados e inseridos nessa realidade não poderão perder tal fato de vista. Veja o que afirma Dom Walmor:
A consciência deste débito supõe uma novidade na conduta humana contemporânea. A proposta é o cultivo de uma ascese, isto é, uma vida ascética como possibilidade de crescimento e avanço numa configuração menos indiferente, egoísta e perversa que têm marcado as feições deste tempo. Segundo Dom Walmor, não se pode admitir mais que se pense e organize a própria vida, fazendo uso do que está disponível para o bem de todos, com a meta de atendimento, a todo custo, dos próprios interesses e mesmo das próprias necessidades. Esta direção é a direção do fracasso de qualquer sociedade ou grupo humano. Cria-se o desejo tirânico e a convicção do direito de se usufruir de tudo sem comprometer a própria comodidade, devendo lutar, egoisticamente, para garanti-la previamente.

Em seu artigo Dom Walmor deixa claro que a ascese cristã deverá cada vez mais de adaptar a uma nova conjuntura de mundo que dela exige um maior testemunho. Esse testemunho passará não apenas pelo conjunto de práticas espirituais que o rege. Se esta ascese não ganhar novo significado, estará sujeita ao fracasso e ao esquecimento. Portanto, torna-se mais do que nunca necessário repensá-la na prática do dia-dia.
Segundo Dom Walmor, não se pode admitir mais que se pense e organize a própria vida, fazendo uso do que está disponível para o bem de todos, com a meta de atendimento, a todo custo, dos próprios interesses e mesmo das próprias necessidades. Esta direção é a direção do fracasso de qualquer sociedade ou grupo humano. Cria-se o desejo tirânico e a convicção do direito de se usufruir de tudo sem comprometer a própria comodidade, devendo lutar, egoisticamente, para garanti-la previamente, afirma.

Sendo assim, a ascese cristã tem como missão para permanência no mundo redescobrir seu valor e significado para os cristãos. O cristão é hoje chamado a viver a ascese nas diversas circunstâncias do seu existir. Isso se dá no trabalho, na universidade, nos negócios, na família, na política, nas relações humanas, nos compromissos com a vida etc. A ascese deve ser vista e vivida como caminho de crescimento espiritual que leva o homem ao um caminho de santidade. E essa santidade se inclui do no todo de suas ações. A proposta deste trabalho, mais do que tirar a ascese de foco de compreensão, pretende colocá-la num caminho que melhor corresponda as exigências do homem de hoje. Isto significa dizer que a ascese mais do que uma prática isolada do resto da vida do cristão, deve estar em sintonia com toda a sua existência.
Nesta nova prática ascética não se nega o papel insubstituível da mortificação, não se esquece que a cruz é caminho irrenunciável para todos, nem que a natureza humana esteja desviada; propõe-se o uso da mortificação tão-somente a fim de obter amadurecimento humano cristão, e convida-se a oferecer ao Senhor o sacrifício de uma afetividade o mais adulta possível.

O tema da justificação em Tiago e Paulo

INTRODUÇÃO

O tema da justificação é uma categoria fundamental dentro da teologia paulina. As cartas de Paulo, entre elas Gálatas e Romanos, são os escritos do Novo Testamento que melhor discorrem sobre esta questão. Por trás desta problemática relativa à justificação encontra-se a experiência da conversão de Paulo como ponto de partida para o desenvolvimento desta temática. Para que se conheça a teologia paulina sobre a justificação pela fé, torna-se necessário levar em consideração toda a sua vivência no judaísmo como fariseu, zeloso guardador da lei para, em seguida, mediante a experiência de Damasco, compreender essa virada excepcional na vida do apóstolo. A forte contraposição paulina da justificação pelas obras da lei é sinal da percepção do apóstolo que se dá conta que ninguém pode se salvar ou se justificar por seus próprios méritos. Fora esse o ensinamento que Paulo combateu fortemente no judaísmo, de que pelo cumprimento da lei de Moisés o homem não encontra-se justificado diante de Deus. A proposta de Paulo será colocar a fé em Cristo Jesus como alicerce e fundamento da verdadeira justificação.
No Novo Testamento, outro escrito que tocou nesta temática foi a carta de Tiago. Ao longo da história, muitos estudiosos da área de exegese e teologia bíblica pensaram ser a carta de Tiago uma forma de combater a teologia paulina da justificação pela fé. De fato, numa simples leitura de Gl 2, 16 e de Tg 2, 18-24, parece transparecer uma divergência teológica sobre o tema da justificação; Paulo por meio da fé: “Sabendo, entretanto, que o homem não se justifica pelas obras da lei, mas pela fé em Cristo Jesus, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé e não pelas obras da lei, porque pelas obras da lei ninguém será justificado” (Gl 2, 16); e Tiago: “Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que lhe aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo? De fato, poderá objetar-lhe: tu tens fé e eu tenho as obras. Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras” (Tg 2, 14.18).
A controvérsia sobre a justificação entre Paulo e Tiago se delineia a partir dessas duas teses que serão desenvolvidas à frente.


1. A Justificação em Paulo

O tema da justificação, quando se trata dos escritos bíblicos, não é patrimônio exclusivo da teologia paulina. A centralidade paulina se dá pelo fato de ter sido ele o escritor do Novo Testamento que com maior profundidade trabalhou esse tema. Mas é necessário ressaltar que não se trata de uma criação paulina. Ele não desenvolve a teologia da justificação a partir “do nada”. Na verdade essa questão já se vem desenvolvendo desde o Antigo Testamento, onde o apóstolo encontra os elementos basilares para o desenvolvimento de sua reflexão sobre a justificação mediante a fé em Cristo. Entre esses elementos pode-se falar da centralidade dada por Israel à Lei de Moisés. A justificação na perspectiva veterotestamentária se dava única e exclusivamente pelo cumprimento da Torá. De modo sintético era desse modo que se tratava desse tema no Antigo Testamento. No Novo Testamento, contudo, dar-se-á uma maior consistência e desenvolvimento ao problema.
Em Romanos, Gálatas e Filipenses, a questão é tratada explícita e polemicamente. Paulo insiste em que a lei e as obras da lei não alcançam a justiça. “Porque nós sustentamos que o homem é justificado pela fé, sem a prática da lei” (Rm 3, 28); “Não invalido a graça de Deus, porque, se é pela lei que vem a justiça, então Cristo morreu em vão” (Gl 2, 21); “O homem não se justifica pelas obras da lei, mas pela fé em Cristo Jesus, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da lei” (Gl 2, 16); “E que pela Lei ninguém se justifica diante de Deus é evidente, pois o justo viverá pela fé” (Gl 3, 11); “e ser achado Nele, não tendo como minha justiça aquela que vem de Deus e se apóia na fé” (Fl 3, 9). Em todos esses textos, Paulo não está se referindo à justiça do Antigo Testamento, centrada no cumprimento zeloso da Torá, e sim, à nova justiça efetivada por Cristo. Ele deixa claro que essa justificação só pode ser alcançada mediante a fé em Cristo. “Essa justiça do homem não é obra do homem por realização ou mérito, só Deus justifica o homem (Rm 3, 30). Aqueles que Deus chamou também justificou (Rm 8, 30)”. Portanto, é na perspectiva da ação gratuita e amorosa de Deus que Paulo fala da justificação mediada por Cristo. E essa só pode ser operada no homem por meio da fé. Paulo contesta uma justificação realizada por meio do cumprimento de preceitos da lei, tal como acreditavam a faziam os judeus. Nessa questão torna-se sempre necessário recordar a polêmica gerada na Galácia por judaizantes que estavam induzindo a comunidade à prática da circuncisão como meio de alcançar a justiça de Deus. É a partir desse contexto de combate aos judaizantes que Paulo vai desenvolver o tema da justificação pela fé e não por méritos próprios tal como pensavam aqueles que cumpriam as obras da lei. É em resposta aos judaizantes infiltrados na comunidade dos Gálatas que nasce na teologia paulina este princípio de salvação por meio da fé e não das obras da lei.
“Para Paulo fé é antes de tudo aceitação da mensagem da cruz, como se vê em Gl 3, 1-2, mas é também tensão para o movimento de todo ser ao encontro de Cristo, como nota o v. 16: “nós também cremos em Cristo Jesus e o v. 20 “Eu a vivo pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Na carta aos filipenses Paulo retoma essa tensão mística afirmando que para “conhecê-lo, conhecer o poder de sua ressurreição e a participação dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para ver se eu alcanço a ressurreição de entre os mortos (Fl 3, 10-11).
A justificação não é apenas uma livre e descompromissada adesão pela fé. Quando Paulo fala que o “justo viverá pela fé” (Rm 1, 17; Gl 3, 11) não está com isso querendo gerar uma cisão entre a dimensão subjetiva e a dimensão objetiva da fé. Não se trata de um fideísmo desencarnado da própria existencialidade humana. “Paulo não proclamou a justificação mediante uma fé que não implicava viver como seus seguidores vivessem”. A justificação na perspectiva paulina diz respeito a um novo estado de vida. Não se trata de um extrinsecismo da fé. Para Cerfaux:
A vinda da justiça e sua permanência em nós acompanham-se duma profunda transformação, que não é simplesmente uma atitude nova para com Deus, mas é ontológica, como os antigos compreendem, uma mudança de natureza. Uma justificação “forense”, decorrente duma declaração, antecipada ou não, do juízo escatológico, que Deus fizesse de nossa justiça, deixando-nos tais como éramos, pecadores, além de não ser realmente apoiada por texto algum, não corresponde às fórmulas realistas multiplicadas sob pena do Apóstolo.

Desse modo, percebe-se que a justificação pregada por Paulo diz respeito a uma intervenção de Deus que atinge todo o gênero humano. E esta ação se dá pela presença de Cristo na história humana. É ele, que de uma vez por todas, vencendo a morte de cruz e ressuscitando, restabelece o homem no convívio eterno de Deus, outrora maculado pelo pecado original de Adão. Nenhuma obra humana, nenhum esforço pessoal é capaz de restabelecer essa justificação.
Que o homem goza de aceitação junto a Deus chamada justificação, o começo e o fim da salvação, não por meio de seu próprio esforço moral nem mesmo no menor e no mais leve grau, mas inteiramente e somente por meio da amorosa misericórdia de Deus posta à disposição nos méritos de Cristo e de sua morte salvífica na cruz... A chave para essa transação definitiva foi a fé, definida como total e confiante entrega do eu a Deus, e não em si uma realização humana, mas puro dom de Deus. “A fé vem do que se ouve e o que se ouve pela palavra de Deus” (Fides ex auditu).

A Teologia paulina, portanto, centraliza todo o modo da justificação unicamente por meio da fé em Cristo Jesus. Paulo deixa claro que não há outra via por meio da qual o homem seja justificado perante Deus. Não há necessidade do cumprimento de nenhuma espécie de tarefas para tal justificação. Para Paulo, “pelas obras da lei não será justificada nenhuma carne perante ele, pois da lei vem o conhecimento do pecado (...) Sustentamos que uma pessoa é justificada pela fé, sem as obras da lei “(Rm 3, 20.28).


2. Justificação em Tiago

A carta de Tiago, diferentemente das grandes cartas paulinas, não é um tratado extenso sobre a justificação. O texto em si não trata explicitamente dessa temática que se tornou um dos elementos basilares da teologia de Paulo. Contudo, de modo especial em Tg 2, 14-26, constata-se a existência de uma tensão apresentada pelo texto de Tiago que imediatamente remete a Paulo. “Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que lhe aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo? Tu tens a fé e eu tenho as obras. Mostra-me a tua fé sem obras que eu te mostrarei a minha fé pelas obras” (Tg 2, 14.18). Já nestes textos paralelos se percebe a contraposição em relação à Gl 2,16; 3,11; Rm 3, 20; 1, 17. Desse modo, numa rápida leitura dos textos, descobre-se que há uma relação de nítida oposição naquilo que se refere à justificação. Enquanto o apóstolo Paulo enfatiza a centralidade da fé em Cristo como condição para a justificação do homem (cf. Gl 2, 16; 3, 8.11.24; Rm 3, 28.30; 5, 1) Tiago enfatizará as obras da fé como condição para a justificação (cf. Tg 2, 14.21.24). Na concepção de Tiago a fé sem obras que manifestem-na não torna possível que o homem seja justificado por Deus. Mais do que uma fé centralizada na subjetividade do sujeito, Tiago chama a atenção para que não se caia numa espécie de fideísmo estéril.
“A maneira como Tiago compreende a fé corresponde ás palavras contidas no evangelho de Mateus 7, 24-27 e Lucas 6, 47-49, que fazem referência ao homem que escuta a palavra de Deus e a põe em prática, em oposição aqueles que também escutam essa mesma palavra , mas não as converte em obras. Para Tiago não basta que se reconheça Jesus como o Senhor, se não se cumpre a sua vontade”.

Sendo assim, falar da justificação em Tiago implica que o homem precisa manifestar objetivamente o resultado de sua fé (cf. Tg 2, 18). Ele está convicto de que a fé desemboca num modelo de vida cristã que leva o homem e a mulher a viverem coerentemente aquilo que acreditam. Não se trata apenas de afirmar que “o justo vive da fé” (Rm 1, 17; Gl 3,11). Para Tiago o justo viverá das obras derivadas dessa fé (cf. Tg 2, 24).
Ao citar o grande patriarca Abraão (cf. Tg 2,21) “Tiago não considera a fé dele como uma obra (Gn 15, 6, citado no v. 23; Rm 4,3; Gl 3,6), mas insiste mais do que Paulo nas obras que nascem da fé, da lei perfeita (Tg 1,25; 2, 8)”. Portanto, para Tiago, o único meio do homem ser justificado é fazer de sua vida uma concreta tradução da fé acreditada. Se a fé não produzir obras estará completamente morta (cf. Tg 2, 17). O homem não manifesta crer no Senhor apenas explicitando oralmente que tem fé. “Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus” (Mt 7, 21). A vivência cristã nesta perspectiva de Tiago se manifesta pela concretização em obras aquilo que a fé crer. O autro é contra uma posição em que a fé é colocada numa perspectiva estritamente intimista e intelectualista. As obras são sinais que evidenciam a adesão da fé. Eles dão o fundamento e a consistência ao cristão para que este realmente viva com autenticidade o cristianismo. “Com efeito, como o corpo sem o sopro de vida é morto, assim também é morta a fé sem obras”(Tg 2, 26).
“Tiago, com efeito, não questiona que a fé tenha força justificante. O empenho dele é lutar contra uma concepção unilateral da fé, segundo a qual esta é autêntica inclusive sem manifestar-se nas obras do amor (Tg 2, 14). Para Tiago por outra parte, a fé autêntica se mostra quando coopera com as obras do amor (Tg 2, 18.22). Sem isto, a fé é inútil (Tg 2, 20) e morta (Tg 2, 17-26), pois a fé viva se manifesta nas obras de misericórdia (Tg 2, 16-25) e na obediência de Deus”. Que adianta ao homem manifestar oralmente uma tão grande fé se não é capaz de traduzir em obras de caridade esse amor manifestado? Portanto, para Tiago a fé é um modo de vida que não foge da realidade do mundo. Para ele fé é sinônimo de boas ações, boas obras e boas obras são a confirmação da verdadeira fé.


3. Elementos convergentes

As questões precedentes referentes à antítese entre Paulo e Tiago naquilo que diz respeito à justificação parece conduzir a uma divergência na compreensão do problema. E de fato foi essa a conclusão a que muitos exegetas chegaram nos últimos anos. Há aqueles que afirmam a existência de uma contraposição entre Paulo e Tiago na compreensão do tema da justificação, mas existem também aqueles, a grande maioria, que mais do que contradição, afirmam a existência de uma convergência de elementos entre ambos. Pode-se ver que há uma diferença clara no modo em que os dois concebem a mesma expressão. Quando Paulo fala de alguém sendo justificado, ele tem em vista o pronunciamento de Deus de que um pecador é justo. Mas quando Tiago usa o mesmo termo, ele tem em vista a demonstração do estado previamente justificado de uma pessoa. Ou seja, alguém demonstra, através de sua obediência, o que Deus já declarou sobre ele (cf. Tg 2, 23, citando Gn 15, 16).desse modo pode afirmar que o pensamento de Tiago não é inconciliável com o que Paulo defende em (Rm 3, 20-31; 9, 31; Gl 2, 16; 3, 2.5.11ss; Fl 3, 9). O que Paulo rejeita é o valor das obras humanas que visam a merecer a salvação sem a fé em Cristo. Essa confiança no esforço do homem para tornar-se justo ignora o fato de que é essencialmente pecador (Rm 1, 18-3,20; Gl 3, 22). E torna vã a fé em Cristo (Gl 2, 21; cf. Rm 1, 16+). Mas também Paulo admite que, recebida a justificação pela graça somente, a fé deve ser ativa pela caridade (1 Cr 13, 2; Gl 5, 6; cf. Ts 1, 3; 2Ts 1, 11; Fm 6) e cumprir, afinal, verdadeiramente a lei (Rm 8, 4), a lei do amor (Rm 13, 8-10; Gl 5, 14). Todo homem será julgado segundo suas obras (Rm 2, 6+)”. Portanto, baseado em dados bíblicos fundamentais, pode-se afirmar que a relação entre Paulo e Tiago não é antagônica. Neles se encontram elementos teológicos que se justapõem ao tema da justificação. Aos invés de contraposição entre justificação pela fé em Paulo e justificação pela obras em Tiago, percebe-se uma relação de distinção que não se opõe. Tanto Paulo como Tiago não fogem da raiz comum que dá ao homem a condição de ser justificado. Ambos falam da fé e das obras como caminhos que conduzem o homem à sua justa relação com Deus. Embora com óticas diferentes, eles não se chocam. “O problema da fé / obras é bastante importante para Paulo em Gálatas e Romanos, enquanto para Tiago é mais circunstancial”.
Sendo assim, a exegese atual é unânime ao firmar que a justificação em Paulo e em Tiago caminha numa relação de concordância. Apesar da circunstancialidade, como afirma Brown, ambos convergem para a mesma fé em Cristo Jesus. “A maioria dos autores pensa que Tiago não se opõe, propriamente, a doutrina paulina da justificação pela fé, mas a uma falsa compreensão da mesma que, fundamentam-se em alguns conceitos paulinos mal compreendidos. Realizava uma dicotomia entre a fé e a vida. uma compreensão contra a qual o mesmo Paulo já tinha polemizado na carta aos Romanos e na 1ª Coríntios”.
A Teologia de Tiago se evidencia como desmistificação dos falsos propagadores de uma fé etérea e desencarnada da vida cristã. Sendo que a carta foi escrita pelos anos 80-100 , já se havia passado as controvérsias sobre a justificação na carta aos Gálatas. Isso comprova que de fato Tiago está combatendo aqueles que estão deturpando a teologia paulina sobre a fé e sobre a justificação pela fé. Pode-se afirmar, desse modo, que a carta de Tiago não é resposta divergente a teoligia de Paulo, mas a falsos cristãos que disseminam doutrinas contrárias aquela ensinada pelo Apóstolo Paulo.


4. O Papel das obras em Tiago

Quando na carta de Tiago aparece o tema das obras, a primeira atitude do leitor deve ser o de captar de que tipo de obras ele está falando. Um dos motivos de divergências geradas no campo da teologia diz respeito ao uso por Tiago. “Mostre-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras” (Tg 2, 18). Contudo, faz-se mister questionar se os termos obras da lei em Paulo e obras da fé em Tiago se equivalem. Estão eles tratando da mesma questão? A afirmação para tal problema é negativa.
A expressão obras da lei usada por Paulo (cf. Gl 2, 16; Rm 3, 20) está estritamente se referindo a Torá judaica. Para os judeus o homem é justificado diante de Deus mediante o cumprimento dos mandamentos instituídos por Deus e dado a Moisés no Monte Sinai. Para Paulo, obras da lei implicam nesse empreendimento humano para o alcance da justificação. Em face deste tipo de ação Paulo se coloca contra, porque ninguém se justifica por suas próprias forças. Em Tiago as obras não se referem à Torá judaica. Trata-se, contudo, de um conjunto de práticas que levam o cristão a professar uma fé autêntica e frutífera. Portanto, as obras em Tiago têm um caráter de ligação entre fé e vida. Não se trata de obras como se compreende na Torá. As obras em Tiago devem ser manifestação em atitudes concretas da fé que o indivíduo professa. “Uma fé que não levasse o homem a agir com misericórdia, seria uma vã fé” (Tg 2, 17). É esta a convicção de Tiago. Não basta crer sem agir. As obras da fé são a comprovação de que o cristão assume a sua existência com compromisso e responsabilidade. Para Tiago não basta professar a fé com a boca, mas é necessário atualizar com a própria vida a experiência gerada pela fé. “As obras a demonstram a existência da fé e assim se prova que possui um valor constitutivo. A fé é subordinada às obras e não possui em si um valor próprio e nem um significado próprio”.
Tiago está dizendo que alguém pode demonstrar diante dos homens que ele tem sido justificado por Deus. Uma pessoa pode fazer isso fazendo boas obras, exatamente como Abraão fez ao sacrificar seu filho Isaque (Tg 2,21, cf. Gn 22, 9-12) bem depois de Deus tê-lo declarado justo. Tiago diz que esse episódio posterior demonstrou que a declaração de Deus em Gn 15, 6 era verdadeira e se cumpriu (cf. Tg 2,23).
CONCLUSÃO

Pode-se afirmar, mediante a explanação desenvolvida acima, que é incabível continuar destacando que entre Paulo e Tiago exista uma relação de controvérsia teológica. A pesquisa serve para melhor ajudar a compreender que cada uma deles tem em relação à justificação um modo próprio de entendê-la, mas sem contrapor-se. Na teologia de Paulo e Tiago fé e obras não podem ser tomadas como realidades estanques na vida do cristão. Não se trata de elementos que se antagonizam e vivem separadamente. O desafio para o homem que quer seguir a Cristo é conciliar em sua vida essas duas dimensões que se complementam. Quando Paulo desenvolveu uma teologia sobre a justificação, sua intenção era mostrar a centralidade de Cristo na vida daqueles que haviam aderido a fé. Não se tratava de negar as boas obras que o homem deve fazer no seu dia-dia para com os seus semelhantes. Contudo, o problema se dilatou a partir do momento que o homem depositou a sua justificação única e exclusivamente em seus próprios méritos. Sem a graça de Deus o homem nada pode. Mas com ela tudo realiza. Em Tiago isso é semelhante. Ele não nega a fé em Cristo Jesus quando convida o homem a prática das boas obras. Mas seu intuito é levá-lo a uma fé autêntica e madura que não se restringe a simples explicitação labial. Esse fora o grande problema que ele enfrentou nessa polêmica. Ou seja, havia cristão que estavam desvinculando a fé do seu compromisso com a vida. Contra tal prática de vida Tiago sabiamente combate convidando-os ao reto vínculo entre fé e obras como sinônimo de autenticidade cristã.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2003.
BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas. 2004.
CERFAUX, L. O Cristão na Teologia de Paulo. Tradução Pe. José Raimundo Vidigal, CSsR]. São Paulo: Paulinas, 1976.
COTHENET, E. Epístola aos Gálatas [tradução Monjas Dominicanas; revisão Olga Fleury Lombardi]. São Paulo: Paulinas, 1984.
DUNN, James D. G. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.
LONA, Horacio. Las Cartas Apostólicas. Buenos Aires: Editora Claretiana, 2003.
MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 2005.
SCHRAGE, Wolfgang; BALZ, Horst. Nuovo Testamento: Le Lettere Cattoliche. Brescia: Paideia Editrice, 1978.
TUÑI, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos Joaninos e Cartas Católicas. Tradução Alceu Luis Orso, São Paulo: Ave Maria, 1999.

A corrida para o amado

A páscoa assinala na vida cristã a grande certeza da vitória de Cristo sobre a morte. A Ressurreição de Cristo nos mostra que não há mais o que temer. Morrendo e ressuscitando Jesus Cristo destrói a própria morte. Se com Ele morremos, também com ele ressuscitaremos para uma vida plena, livre de toda mancha e pecado (cf. 1Cor 15, 13-14). “Porque se nos tornamos uma só coisa com ele por morte semelhante a sua, seremos uma só coisa com ele também por ressurreição semelhante à sua” (Rm 6, 5). Essa certeza apresentada pelo Apóstolo Paulo é o grande indicativo da fé que fundamenta o cristianismo.
O primeiro domingo de Páscoa toda Igreja celebra essa certeza através do sepulcro vazio e do testemunho de Maria Madalena, de Pedro e do discípulo amado, João. Estes são os primeiros a fazerem a experiência com o acontecimento que mudaria totalmente a história da humanidade. Eis que o sepulcro está vazio, a morte não o segurou, pelo poder de Deus Cristo ressuscitou (cf. At 2,24).
Os aspectos para a reflexão deste texto de hoje são diversos. Há muitas particularidades que exigem uma reflexão mais aguçada. Mas para a nossa reflexão gostaria de destacar um fato interessante no texto de João. Ele faz questão de frisar que tanto Maria Madalena, quanto os demais discípulos, Pedro e João, correm apressadamente para se depararem com aquele acontecimento. “Corre, então e vai a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava, e lhes diz: ‘Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram’ (Jo, 20, 2)”; “Os dois corriam juntos, mas o discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro” (Jo 20, 4). Todos correm porque sabem o significado do prêmio da corrida. “Irmãos, esquecendo-me do que fica para traz e avançando para o que está à frente, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto, que vem de Deus em Cristo Jesus (Fl 3, 13b-14).
A corrida é muito simbólica, mas ao mesmo tempo adquire um aspecto teológico muito interessante. Ela é reflexo daquilo que pulsa no coração do homem, ela exprime o desejo e ao mesmo tempo a angústia daqueles que esperavam encontrar novamente o mestre de Nazaré, Jesus Cristo. Assim como Maria se dirige apressadamente à casa de sua prima Isabel para comunicar-lhe as maravilhas que o Senhor havia realizado em seu favor, também os discípulos correm apressadamente para poderem sentir novamente seu coração vibrar pela presença salvadora e transformadora de Cristo. Os discípulos querem sentir novamente aquela grande experiência que outrora marcara suas vidas, e por isso eles correm. Mas não é uma corrida para o vazio, para o nada, não. Eles correm para uma realidade que está acima deles e que é capaz de corresponder às exigências do seu coração.
O homem só pode correr atrás daquilo que corresponde aos desejos mais profundos do seu coração, ele só pode se entregar aquilo que dá sentido à sua vida e que corresponde às suas inquietações. Porque nós só corremos para aquilo que amamos. É o amor que nos tira da inércia dos fatos e nos desperta para a busca pelo amado. Aí está o sentido dos discípulos vencerem o medo da madrugada, rasgando a noite escura correndo ao encontro do Senhor da luz, Cristo Jesus. “Em meu leito, pela noite, procurei o amado de meu coração (Ct 3, 1).
A vida cristã se traduz numa constante corrida ao encontro do prêmio da vida, Cristo (cf. Fl 13b-14). E nessa corrida enfrentamos os desafios e barreiras que procuram nos impossibilitar de chegar à meta. Mas quem ama vence todo medo e desilusão. Assim como Maria Madalena, Pedro e João, também nós somos hoje chamados a esta grande corrida. Vamos ao encontro do Senhor, superemos tudo aquilo que nos impede de alcançá-lo. Que o nosso amor pelo mestre de Nazaré seja sempre maior que o medo das trevas da madrugada. Rompamos a penumbra da angústia e nos entreguemos à Cristo, luz da vida, luz da humanidade, luz da história.

terça-feira, 30 de março de 2010

Páscoa: a vida vence a morte!

O Apóstolo São Paulo nos afirma com toda a sua convicção de fé: A esperança não decepciona. Acredito que essa sua certeza é também nossa como resposta de fé. Nós acreditamos e compartilhamos com todos os nossos irmãos e irmãs essa mesa convicção. O Senhor Ressuscitou de verdade! Aleluia!
A Páscoa de Cristo é a tradução total dessa nossa esperança-certeza. Nele todas as promessas de Deus se concretizaram. A Ressurreição de Cristo é a prova de que Deus não abandona aqueles que a ele se confiam. Seu amor supera todas as barreiras e limites existentes na história dos homens.
Deus nos ama com tanto amor a ponto de nos entregar aquilo que Ele tem de mais precioso: seu Filho Jesus único. E Ele demonstra novamente esse amor ao ressuscitá-lo dos mortos. Ele O entrega como sacrifício pelos pecados da humanidade, mas também o acolhe como com dom de si mesmo.
Ao vivermos em nossas vidas a experiência da Páscoa devemos sempre recordar o amor e a misericórdia de Deus que se derrama em favor de toda a humanidade. Nada pode nos separar do amor de Deus.
Somente Aquele que ama incondicionalmente é capaz de transformar toda a dor e sofrimento gerados pela cruz em vida e esperança. Deus nos garante vitória, Ele sempre nos proporciona vida nova. A Páscoa nos assinala este tempo em que a vida se mostra sempre mais forte em relação a todas as mortes e a todo o sofrimento que possa ferir e magoar o coração do ser humano.
Neste momento de tamanha alegria que vibra em nossos corações, nós também nos reportamos ao “espanto alegre” dos primeiros discípulos e discípulas ao descobrirem o túmulo vazio. Imaginemos o coração daqueles e daquelas que logo em seguida ao túmulo vazio presenciaram a aparição do ressuscitado. O coração dos seguidores de Cristo ficou entusiasmado. De fato, Deus não deixa abandonados e angustiados aqueles que nele se confiaram.
Alegremo-nos todos, o Senhor ressuscitou como havia falado. O amor venceu o ódio daqueles que o crucificaram. O amor de Deus pela humanidade venceu a morte na cruz. Eis que Cristo se nos apresenta como presença grandiosa que vem nos animar na caminhada da vida. Não temamos a morte. Entreguemos-nos nas mãos daquele que vive e tem o poder de nos dar vida.
A você e toda a sua família uma Feliz Páscoa. A vida supera a morte!
Glorifiquemos o Senhor com nossas vidas!

feliz páscoa