sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A esperança cristã

Esquema sobre a Spe Salvi do Papa Bento XVI.

A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho (SS nº 1). A esperança cristã se constituiu a partir da encarnação de Cristo uma realidade palpável da qual todo o ser humano pode tocar. Enfrentar a contingência da realidade em sua totalidades faz parte dessa relação com Cristo-esperança. Em linguagem actual, dir-se-ia: a mensagem cristã não era só « informativa », mas « performativa ». Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova (SS nº 2). É muito salutar quando partimos da experiência dos apóstolos e de todos aqueles que tiveram a experiência de encontro com Cristo. Cristo falava da realidade humana não por meio de fatos que escapassem da realidade do homem. Suas palavras automaticamente tocavam no intimo das pessoas. Daí multidões extasiadas que iam ao seu encontro. A esperança que Cristo nos oferece parte de uma realidade substancial que é o próprio Cristo. [...] a sociedade presente é reconhecida pelos cristãos como uma sociedade imprópria; eles pertencem a uma sociedade nova, rumo à qual caminham e que, na sua peregrinação, é antecipada (SS nº 4). Não é objetivo do Papa Bento XVI criar nos cristãos uma aversão pelo mundo ou pelas realidades temporais. Acreditamos que essa mentalidade já está superada. E isso aconteceu há mais de dois mil anos com a encarnação de Cristo quando Deus rompe com esta barreira e faz de Cristo o elo entre realidade temporal e realidade espiritual. Mas o cristão vive neste mundo sem fazer do mesmo sua morada eterna. Nesta idéia reside a nossa fraqueza. Quando nos encarceramos num plano horizontal da existência matamos nossa intrínseca transcendental idade. Deus nos criou desde sempre para a eternidade. Por isso é que somos peregrinos neste mundo. Estamos a caminho da Jerusalém celeste, o reino definitivo. Mas enquanto isso não chega, aguardamos a parusia de Cristo onde tudo de consumará. [...] o Evangelho traz a verdade que os filósofos peregrinos tinham buscado em vão. Nesta imagem, que sucessivamente por um longo período havia de perdurar na arte dos sarcófagos, torna-se evidente aquilo que tanto as pessoas cultas como as simples encontravam em Cristo: Ele diz-nos quem é na realidade o homem e o que ele deve fazer para ser verdadeiramente homem (SS nº 6). Cristo não fez de sua vida um jogo de aforismas dedicados aos temas da existência humana. Isso era típico dos sábios, dos filósofos. Ele viveu na sua historicidade aquilo que desenvolvia em sua pregação. Ele não fala do que é a vida, do que é a esperança, do que é a eternidade. Ao contrário, ele se coloca como vida, como esperança e como eternidade para todos aqueles que nele crerem. A certeza de que existe Aquele que, mesmo na morte, me acompanha e com o seu « bastão e o seu cajado me conforta », de modo que « não devo temer nenhum mal » (cf. Sal 23[22],4): esta era a nova « esperança » que surgia na vida dos crentes (SS nº 6). Cristo é o caminho e a única possibilidade de esperança para todo aquele que crer. Ele nunca deixa sozinho aquele que nele colocar toda a sua confiança, toda a sua esperança. A fé não é só uma inclinação da pessoa para realidades que hão-de vir, mas estão ainda totalmente ausentes; ela dá-nos algo. Dá-nos já agora algo da realidade esperada, e esta realidade presente constitui para nós uma « prova » das coisas que ainda não se vêem. Ela atrai o futuro para dentro do presente, de modo que aquele já não é o puro « ainda-não ». O facto de este futuro existir, muda o presente; o presente é tocado pela realidade futura, e assim as coisas futuras derramam-se naquelas presentes e as presentes nas futuras (SS nº 7).Cristo é já a garantia dessas realidades vindouras. Ele é como afirmara L. Boff a esperança certeza de salvação e de vida para a humanidade. A fé confere à vida uma nova base, um novo fundamento, sobre o qual o homem se pode apoiar, e consequentemente, o fundamento habitual, ou seja a confiança na riqueza material, relativiza-se. Cria-se uma nova liberdade diante deste fundamento da vida que só aparentemente é capaz de sustentar, embora o seu significado normal não seja certamente negado com isso. Esta nova liberdade, a consciência da nova « substância » que nos foi dada, ficou patente no martírio, quando as pessoas se opuseram à prepotência da ideologia e dos seus órgãos políticos e, com a sua morte, renovaram o mundo (SS nº 8). [...] que em Cristo, Deus manifestou-Se. Comunicou-nos já a « substância » das coisas futuras, e assim a espera de Deus adquire uma nova certeza. É espera das coisas futuras a partir de um dom já presente. É espera – na presença de Cristo, isto é, com Cristo presente – que se completa no seu Corpo, na perspectiva da sua vinda definitiva (SS nº 9). Mas, viver sempre, sem um termo, acabaria por ser fastidioso e, em última análise, insuportável. É isto precisamente que diz, por exemplo, o Padre da Igreja Ambrósio na sua elegia pelo irmão defunto Sátiro: « Sem dúvida, a morte não fazia parte da natureza, mas tornou-se natural; porque Deus não instituiu a morte ao princípio, mas deu-a como remédio (SS nº 10). A morte serve na experiência humana como o despertar para a verdadeira vida. A existência é fatigosa e a vida eterna não se resume á dimensão temporal. A morte não é apenas remédio, mas acima de tudo é caminho de vida plena, porque somente passando por ela o indivíduo chega ao seu destino etrno. Com efeito, para Bacon, resulta claro que os descobrimentos e as recentes invenções são apenas um começo e que, graças à sinergia entre ciência e prática, seguir-se-ão descobertas completamente novas, surgirá um mundo totalmente novo, o reino do homem SS nº 17). Eis aí o mito do progresso científico que caiu por terra já há muitos anos. Já o Papa Paulo VI havia alertado para tais questões na sua Encíclica Populorum Progressio afirmando que todo humanismo sem Deus acaba gerando ateísmo. Talvez tenha sido esse o erro de Bacon e dos modernos e iluministas ao acharem que deslocando Deus do centro da história resolveriam com suas próprias mãos os desafios da humanidade. Eles esqueceram que o pecado original é parte constitutiva do gênero humano e que enquanto Cristo não restaura todas as coisas estaremos sujeitos a concupiscência no mundo. Tendo-se diluída a verdade do além, tratar-se-ia agora de estabelecer a verdade de aquém. A crítica do céu transforma-se na crítica da terra, a crítica da teologia na crítica da política. O progresso rumo ao melhor, rumo ao mundo definitivamente bom, já não vem simplesmente da ciência, mas da política – de uma política pensada cientificamente, que sabe reconhecer a estrutura da história e da sociedade, indicando assim a estrada da revolução, da mudança de todas as coisas (SS nº 20). Nenhum sistema político, por mais justo que se apresente ou aparente ser, servirá de mágica para os traumas da humanidade. Todas as vezes que se tentou fazer dessa idéia uma máxima na história, surgiram os grandes conflitos. O homem não pode se arvorar de uma realidade que pertence a Deus. O homem deve trabalhar para transformar o mundo, mas sempre tendo em vista que pela força de Deus que essa transformação ocorrerá. Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de facto, o homem não é só o produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis (SS nº 22). Os sonhos de Marx eram teoricamente muito bons, porém, muito ingênuos. O comunismo russo foi de fato a comprovação desta tese. Hoje pode-se dizer, depois da trágica experiência, que de fato o homem se engana e se equivoca quando age centrando a ação em suas próprias forças. A intenção pode até ser positiva, mas os frutos são catastróficos. Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior (cf. Ef 3,16; 2 Cor 4,16), então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo (SS nº 22). Ciência e razão devem como já afirmara o Papa João Paulo II as duas asas que conduzem o homem a Deus. Não pode haver progresso humano e não há a justiça de Deus que tudo governa. A vida, no verdadeiro sentido, não a possui cada um em si próprio sozinho, nem mesmo por si só: aquela é uma relação. E a vida na sua totalidade é relação com Aquele que é a fonte da vida. Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria Vida e o próprio Amor, então estamos na vida. Então « vivemos » (SS nº 27). Tal como o agir, também o sofrimento faz parte da existência humana. Este deriva, por um lado, da nossa finitude e, por outro, do volume de culpa que se acumulou ao longo da história e, mesmo atualmente, cresce de modo irreprimível (SS nº 36). Precisamente onde os homens, na tentativa de evitar qualquer sofrimento, procuram esquivar-se de tudo o que poderia significar padecimento, onde querem evitar a canseira e o sofrimento por causa da verdade, do amor, do bem, descambam numa vida vazia, na qual provavelmente já quase não existe a dor, mas experimenta-se muito mais a obscura sensação da falta de sentido e da solidão (SS nº 37). Com efeito, mostrou-nos que Deus – a Verdade e o Amor em pessoa – quis sofrer por nós e connosco. Bernardo de Claraval cunhou esta frase maravilhosa: Impassibilis est Deus, sed non incompassibilis [29] – Deus não pode padecer, mas pode-se compadecer. O homem tem para Deus um valor tão grande que Ele mesmo Se fez homem para poder padecer com o homem, de modo muito real, na carne e no sangue, como nos é demonstrado na narração da Paixão de Jesus (SS nº 39).

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