sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O tema da sabedoria na carta de Paulo aos Coríntios

A primeira seção da carta aos Coríntios, que compreende os quatro primeiros capítulos se insere num contexto de polêmicas geradas por divisões e escândalos dentro da comunidade fundada por Paulo. Existiam aqueles que se diziam pertencer ao grupo de Apolo, um grande pregador, existiam aqueles que se diziam ser do grupo de Paulo e ainda outros que se diziam ser de Pedro e por ultimo os do grupo de Cristo.[1] Entre as diversas questões, surge aquela que diz respeito à presença dos chamados sábios. Eram aqueles que procuravam esvaziar o sentido da cruz. A luta de Paulo será travada contra aqueles que procuram por meio de discursos filosóficos e retóricos negarem a sabedoria de Deus presente no evento da cruz de Cristo. “Pois não foi para batizar que Cristo me enviou, mas para anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria humana da linguagem, a fim de que não se torne inútil à cruz de Cristo. Com efeito, a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam é poder de Deus”. (1 Cr 1, 17-20). A sabedoria deste mundo faz com que os que a possuem se creiam sábios, enquanto são tolos. Estas alusões à sabedoria da linguagem (cf. 1 Cr 1, 17.20; 2, 1.4.6) levam a pensar que o tipo de sabedoria condenada por Paulo seja aquele de tipo retórico e filosófico. Não se pode perder do horizonte de entendimento o contexto não apenas da carta aos Coríntios, mas dos próprios Coríntios e as diversas influências recebidas das correntes filosóficas que naquele tempo circulam não apenas a Grécia, mas todo o Império Romano. Além disso o mundo está sob o impulso do helenismo que se espalhou por todos os lugares. Sendo Corinto uma cidade grega portuária, marcada pela afluência de povos de diversos lugares, era comum que todas as influências de filosofias como o estoicismo, o epicurismo e entre outras, adentrasse às comunidades cristãs. É a partir desse contexto no qual se situava Corinto que pode-se compreender as polêmicas daí surgidas.
Pode-se desse modo pensar que as investidas de Paulo nesta primeira parte da carta sejam realmente dirigidas a esses retóricos. E contra eles, “Paulo define a verdadeira sabedoria cristã: é Cristo, e Cristo pregado na cruz (cf. 1Cr 1,18-2,2). Segundo Paulo, esta é a sabedoria de Deus, que para o mundo é loucura e que confunde a própria sabedoria do mundo”.[2] A grande sabedoria de Deus não reside nos discursos eloqüentes elaborados pelos grandes oradores. (cf. 1 Cr 1,24). A sabedoria de Deus é, portanto, revelação, inatingível pela busca humana. Ela não precisa da persuasão dos retóricos (1 Cr 2,4). É a revelação da sabedoria oculta o desígnio secreto de Deus, do seu plano de salvação para a humanidade por meio de Cristo crucificado (1 Cr 2, 7-10).[3] “Ora, é absurdo tentar brilhar pregando o Evangelho, pois a mensagem cristã é exatamente o contrário de um discurso sábio, que permite àquele que a anuncia auto valorizar-se”.[4] Sendo assim, aqueles que neste mundo se consideram sábios, devem se tornar estultos e ignorantes para a adquirirem a sabedoria de Deus, tendo em vista que aquilo que o mundo considera sabedoria é loucura para Deus. (cf. 1 Cr 3, 18ss). Na pessoa de Cristo acha-se escondido todos os tesouros da sabedoria de Deus (Cl 2,3).
A pregação cristã não pode hoje se esquivar diante dos desafios que o mundo pós-moderno imprime. Para se falar desse texto Paulino se faz necessário recorrer ao mesmo espírito com que ele enfrentou a questão em sua comunidade. Seu modo de compreender a sabedoria de Deus continua servindo de parâmetro para a pregação cristã. O grande perigo hoje seria perder de vista essa referência que Paulo oferece.
A fé cristã não pode ser confundida com discursos retóricos ou filosóficos. Não se chega a conhecer ou a experimentar a sabedoria de Deus por meio de belas construções retóricas. Hoje se vive no mundo, em algumas instâncias da sociedade um clima de hostilidade para com a fé. Surgem muitos filósofos que procuram destruir a fé por meio de discursos que tentam convencer as pessoas. Muitas Universidades e Faculdades se tornaram palcos onde “ditos sábios” procuram mobilizar a fé. Para estes, a cruz de Cristo continuará a ser motivo de escândalos justamente por nela está escondida à sabedoria divina. A palavra da Igreja deve sempre levar em consideração este mistério divino revelado no improvável. Não sejam esquecidas as palavras de Jesus: “Eu te louvo ò Pai do céu porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos”. Talvez a grande tentação da Igreja seja a de se tender a cair no mesmo erro destes “sábios do mundo” e procurar refutá-los com as mesmas estratégias. Porém o discurso da Igreja não deve partir desta hipótese. O mistério de Deus revelado aos homens não pode tornar-se alvo de dissecação por aqueles que se consideram dotados de sabedoria. A sabedoria de Deus está acima de todas essas frágeis possibilidades humanas. Assim como o apóstolo Paulo, a Igreja deve impostar o seu discurso sobre a sabedoria retomando o kerigma como seu pressuposto fundamental. A verdadeira sabedoria do mundo é o logos de Deus, Aquele que habita no meio dos homens e os convida ao convívio com Deus. É na aparente ilogicidade do mistério que ao homem é manifestado o verdadeiro conhecimento divino. “A séculos de distância de Paulo, nós vemos que na história venceu a Cruz e não a sabedoria que se opõe à Cruz. O Crucifixo é sabedoria, porque manifesta verdadeiramente quem é Deus, ou seja, poder de amor que chega até à Cruz para salvar o homem. Deus serve-se de modos e de instrumentos que para nós, à primeira vista, parecem debilidade. O Crucifixo releva, por um lado, a debilidade do homem e, por outro, o verdadeiro poder de Deus, ou seja, a gratuidade do amor: precisamente esta total gratuidade do amor é a verdadeira sabedoria. São Paulo fez esta experiência até na sua carne, e disto dá-nos testemunho em várias fases do seu percurso espiritual (...)”. [5]

[1] QUESNEL. Michel. As Epístolas aos Coríntios. São Paulo: Paulinas 1983. p 27-28
[2] MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 2003. p 814-815.
[3] Ibidem
[4] QUESNEL. Michel. As Epístolas aos Coríntios p. 30
[5] Discurso do Papa Bento XVI sobre o Ano Paulino, Sala Paulo VI, Quarta-feira, 29 de Outubro de 2008.

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