sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Resumo do conceito de Pessoa Segundo M. Moreno Villa

I. Esboço Histórico

Ao longo da história o ser humano buscou entender e compreender o ser pessoa e esta evolução se deu de forma gradual. Para alguns autores a palavra pessoa deriva da palavra grega prósôpon, que era a máscara usada pelos atores gregos sobre o rosto, adotando características de uma personagem. Outros sustentam que pode derivar do vocábulo phersu, palavra escrita no teto de um túmulo, no qual aparecem dois homens mascarados dançando, sendo esta uma variante da hipótese anterior.
O conceito de pessoa foi formulado pela primeira vez na reflexão teológica cristã ao pensar a fé Cristológica e Trinitária, sobretudo entre os séculos II – V. Foi usado também para explicar a dupla natureza (divina e humana) que existe na união hipostática da única indivisível pessoa de Cristo (Concílio de Nicéia, 325). Tertuliano distinguiu igualdade entre pessoa e substância, ao afirmar que Deus subsiste em três pessoas na única substância.
Na Grécia e em Roma, eram consideradas pessoas somente os cidadãos livres, sujeitos de pleno direitos e deveres. No entanto, essa liberdade era negada às mulheres, crianças e escravos. O que dá para demonstrar que o Homem (varão e mulher) e pessoa não eram sinônimos, pois, tanto as mulheres como os escravos e as crianças eram indivíduos do gênero humano (homens), mas não eram tidos como pessoas livres e com plenos direitos, dignos por si mesmos. Por isso, pessoa faz referencia direta à dignidade do Homem, à relação com outras pessoas e inclusive com a transcendência do próprio ser humano.
A filosofia grega desconhecia quase por completo a tematização sobre o homem como pessoa, conhecida em seu autentico valor ontológico e ético. Para os gregos, o homem era considerado um objeto individual, vinculado à noção de substância e, portanto, à de coisa.
O conceito de pessoa não pertence exclusivamente ao cristianismo, embora tenha recebido uma grande contribuição do pensamento cristão. Daí que alguns autores cristãos fossem persistentes em utilizar o termo pessoa para aplicá-lo ao mistério trinitário. Os primeiros cristãos foram aqueles que mais e melhor desenvolveram o conceito de pessoa (juntamente com o personalismo posterior). Isso graças à Revelação cristã que sustentou e sustenta o individuo: homem, mulher, criança, escravo, deficiente e etc, como chamados a serem filhos de Deus, isto é, filhos por adoção em virtude da graça revelada no Filho Unigênito, por natureza do Pai. O cristianismo sustentou desde o princípio que não existe hierarquia de dignidade no seio do humano, todos os seres humanos são por si mesmo pessoas dignas de sua condição e devem ser tratados como fins em si, como pessoas amadas por Deus e sendo convocadas da sua própria natureza.

II. A ambigüidade congênita do conceito “pessoa”

A temática da ambigüidade sobre o conceito de pessoa é ainda perceptível quando alguns autores fazem uso da expressão Homem, indivíduo, sujeito e “eu” sem nenhuma espécie de distinção, tornando-as expressões sinônimas. Perceber-se-á que apesar de tratarem da mesma realidade ontológica, cada termo destes possui uma especificidade e por isso não se pode encerrar o conceito de pessoa dentro dos mesmos.
a) Pessoa e indivíduo: a pessoa humana é, certamente, indivíduo, pois pertence a uma espécie e se diferencia dos demais indivíduos nas suas características peculiares: altura, cor, sexo etc. Mas um livro numa biblioteca também é indivíduo, pois a indivisibilidade e impredicabilidade, não é aplicável somente ao Homem, mas também a qualquer ser em relação a uma espécie já que se diz também do mundo vegetal e animal. Daí passa-se a afirmar que a pessoa não é simplesmente um indivíduo, ou seja, esta dispersão, esta dissolução da pessoa na matéria, este influxo no Homem da multiplicidade desordenada e impessoal da matéria, objetos, forças e influências nas quais o mesmo se move. Para o pai do personalismo, E. Mounier, esse individualismo “foi a ideologia e a estrutura dominante da sociedade burguesa ocidental entre os séculos XVIII e XIX”, que propugnou “um Homem abstrato, sem laços, nem comunidades naturais, Deus soberano no coração de uma liberdade sem direção nem medida, que desde o primeiro momento volta contra os outros a desconfiança, o calculismo e a reivindicação”.
b) Pessoa e sujeito: afirmar que a pessoa é sujeito, é sustentar que se auto possui, que subsiste em si e que se sabe subsistindo. O sujeito é em última análise, O eu pessoal enquanto sujeito. Mas o que não existe é sujeito isolado dos outros sujeitos, pois um sujeito não se reconhece como tal a não ser diante dos objetos, como afirmam os dualismos; não existe um sujeito puro e isolado dos objetos, pois ser sujeito implica naturalmente, estar sempre em correlação com o objeto a ponto de ser inseparáveis. Mas o Homem é também intersubjetividade e se auto percebe como subjetividade interpelada por outras subjetividades. O Homem é, pois no mundo, um intersujeito.
C) Pessoa e eu: a pessoa é também um eu (ego), e assim como Kant denominou, ela é a “unidade da percepção pura”. Mas nunca existe isolada dos demais eus. A pessoa não possui o fundamento em si mesma (Descartes), ela não é a causa de si mesma. Na sua eudade, a pessoa se autopercebe como pessoa, porque previamente à sua própria autoconcepção como eu, teve diante de si um tu, isto é, o outro eu; por isso a palavra eu sempre se encontra relacionada e jamais deixa de aludir a um tu. A pessoa é, no interior do criado, o único ser capaz da comunicação, o único capaz da exterioridade, de sair de si. Desse modo, ela, na sua eudade, é a única capaz de se direcionar ao outro numa comum inserção no mundo. A pessoa, enquanto eu entre vários eus, se dá na relação. Por isso, não podemos definir a pessoa somente como um eu, possuidora de si mesma e consciente de si. Ela é um eu não fechado em si, mas um ser em contínuo arrebatamento do tu e do outro.

III. A Pessoa, Definível?

A definição de pessoa não pode fechar-se no circulo de uma frase. “Uma expressão não pode encerrar em si uma realidade tão aberta e rica com a pessoa”. Mas, o fato de não querermos cair numa “esquematizadora” definição de o que é ou quem é a pessoa, implique numa realidade “indizível”, pois seria negar à pessoa todo tipo de essência.
A história do pensamento nos mostra que houve tentativas plausíveis de definir o quê, ou quem é estritamente a pessoa: para Boécio, a pessoa é substância, tentando assim, acentuar a racionalidade e a substancialidade da pessoa. Os limites dessa definição, por um lado, estão em deixar de lado características fundamentais da pessoa como a existência, a relação, a corporeidade, a historicidade... Por outro lado, essa definição não é válida para ser aplicada a Deus, pois segundo ela, cada pessoa é uma substância, com o que na trindade não havia três pessoas sem haver três deuses.
Ricardo de São Vitor, pensando da reflexão trinitária, definiu a pessoa como “existência incomunicável de natureza intelectual”, substituindo a substância Boeciana pela existência, donde se pode inferir tanto a relação com a consistência.
São Tomás, inspirando-se em Boécio, define a pessoa com subsistência. “Mas subsistência não tem tampouco significação unívoca”. De fato, São Tomás, indica que substância equivale etimologicamente a hipóstases e que significa umas vezes essência e outras subsistências.
Para E. Mounier, a pessoa é relação – ser. Ele afastando-se do substâncialismo Boeciano naquilo que tem de “cosificador” (a pessoa não é o quê, é um quem), aproxima-se da concepção de subsistência e independência no seu ser. “A pessoa é um ser espiritual constituído como um tal por uma forma de subsistência e de independência no seu ser; mantém esta subsistência com a adesão a uma hierarquia de valores livremente adotados, assimilados e vividos em compromisso responsável”.
A descrição de pessoa dada por Mounier pode ser válida, mas para uma compreensão maior seria necessário acrescentar outros componentes básicos: a corporeidade, a condição sexual, a historicidade, a sociabilidade, a mortalidade...

IV. A pessoa não é problema é mistério

A pessoa humana, dentro de sua complexidade está buscando sempre se auto compreender como um ser em relação com o mundo e com o outro. Dentro dessa relação é que o Homem se percebe como um mistério, ou seja, uma realidade totalmente difícil de ser explicada, o que não significa ser ele um problema sem solução. A pessoa não tem uma solução, por isso devemos concebê-la na sua espiritualidade como um ser misterioso. Ela se dá em um mistério que nunca iremos dar por descoberto, pois, a cada descoberta se abrirão novos caminhos para se conhecer.
O saber jamais poderá ser completo nem sobre mim, e nem sobre o outro, pois a pessoa é uma via longa que conhecemos e nunca completamos o conhecimento, pois o ser humano é uma realidade que resiste a ser completamente apreendido. Para conhecer o outro deve-se conhecer a si próprio. Só conhecemos a subjetividade do outro quando nos lançamos dentro de nós mesmos.

V. A pessoa é eudade e transcendência

O encontro é o que favorece a pessoa se descobrir como tal o seu próximo. A liberdade das pessoas é o que possibilita o encontro entre elas.
A dignidade e liberdade são elementos desse verdadeiro encontro. A condição que gera igualdade favorece a ação de encontrar-se. O menor número de pessoas, em geral, favorece uma relação mais intima, enquanto que a grande multidão não favorece.
O viver fechado não faz parte do ser pessoa. Na interioridade ela é chamada a uma tensão transcendente. O homem na sua personalidade nunca é um ser isolado, todo que se encontrar com o outro vão se encontrando e assim cada pessoa vai se descobrindo como um eu. O ser humano é um ser inteligível não busca conhecer somente a sua realidade de humanidade, mais também, a sua própria história humana.

VI. Nem Solipsismo Nem alterismo
Na filosofia da subjetividade Ocidental moderna, a pessoa foi reduzida a sujeito e a um eu. Porém, o sujeito não é somente subjetividade e eudade, mas a pessoa é, transcendência e alteridade. O Solipsismo é alteridade ou exterioridade. Para o filosofo Lévinas, o início de qualquer pensamento acerca do homem, sendo esta relação com o outro é sempre ético, não se pode considerar o outro como objeto de conhecimento, mas como um ser digno em si mesmo e perante o qual sempre somos responsáveis. A melhor antítese de Descartes é, então, Lévinas, onde Descarte dizia; “eu”; e Lévinas dizia: “o outro”. Mas entre a tese do primado da subjetividade (Descartes) e a antítese da primazia da alteridade (Lévinas), parece-nos necessário realizar uma síntese: as duas posições parecem ser radicalizações de uma verdade. O homem é alteridade, Lévinas acentua tanto o primado metafísico do outro, que termina por diminuir o sujeito (o eu) a ponto de quase eliminar. Lévinas incorre no erro do alterismo. Por isso, se pode afirmar que nem Solipsismo e alterismo, mas subjetividade e alteridade estão ambos simultaneamente no círculo ontológico interpessoal.

VII. O Homem como pessoa.

O homem na interioridade, ele se autopercebe não somente como individuo do gênero humano, mas com autonomia moral, liberdade e racionalidade. Ele é um ser que pode escolher entre o bem e o mal, ele tem essa liberdade de tomar suas decisões.
Exterior de alteridade. O homem, como pessoa, se autopercebe como saindo da sua interioridade para o mundo do outro, é a relação rumo a outras pessoas. Pois são “sub-jeitos” e “eus”, que se autopossuem e podem se comunicar. As pessoas estão em constante comunicação, seja, na através da cultura, da religião ou outros aspectos.
O exterior de coisidade. A pessoa histórica é essencialmente um ser no mundo. Mas com as coisas, a pessoa propriamente não se relaciona, não existe estrita-relação, pois delas não pode receber respostas, pois não são sujeitos, mas unicamente objetos que estão somente vertidos para fora, despossuídos de si, somente são percebidos por um sujeito pessoal. Por isso, com pessoas há relação e com as coisas, referência.
O homem e a Transcendência. A pessoa percebe a si mesma como não possuindo em si a causa do seu existir último; deve a sua existência, assim como todos os seres, a um ser primeiro que é o Deus Criador e Senhor de todas as coisas. Porém, durante a história percebemos algumas críticas a esse Senhor de tudo, e como a religião fala de Deus, as criticas eram direcionadas a religião. Como o filosofo, Marx, dizia que a religião é uma neurose da humanidade, já Freud dizia; que ela é a concretização do anelo de transcendência que todo homem descobre em si. Em qualquer caso, em toda relação transcendental imanente (própria das pessoas humanas), está incoada a relação transcendental absolutamente transcendental, a que vincula cada um ao mistério da sua origem. O homem é pessoa, o seu vir a ser pessoa depende só de Deus. O seu vir a ser como uma pessoa é uma tarefa a ele confiada e que depende de muitas condições sociais. A pessoa é, finalmente, tensão entre o que se deve ser, isso quer dizer, qualquer escolha que a pessoa fizer, irá sempre encontrar o outro. E se a pessoa quer chegar a ser, ela deve dá conta das suas potencialidades, e quando a pessoa se espera chegar a ser, para ela compreender esse mistério do ser, ela irá precisar sempre das pessoas como do Outro Absoluto, que é o Transcendente, o Criador de tudo, o Senhor por excelência. Tudo isso, convergem na unicidade da pessoa.

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